Maioria dos viciados em web ignora problema

19/07/2011 14:18

Maioria dos viciados em web ignora problema

Aos poucos, no entanto, um número crescente de pessoas procura ajuda especializada - e ela existe, embora seja desconhecida por muitos, a despeito dos esforços de divulgação

"Tenho que ir embora, já faltam 20 minutos para o meio-dia." Era isso que a paciente, com pouco mais de 50 anos, costumava repetir, apressada, ao fim de cada sessão com o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu. Um dia, curioso, ele decidiu perguntar o motivo. A resposta o deixou surpreso: "preciso colher os morangos de minha fazenda", respondeu a senhora.

A surpresa era com o fato de que o consultório fica na cidade de São Paulo e a fazenda, no caso, não uma propriedade real. A preocupação da paciente era com "terras" na internet. O episódio ilustra uma situação mais comum do que se imagina: muita gente viciada na web nem se dá conta disso, como ocorre com tipos de dependência, digamos, mais tradicionais.

Aos poucos, no entanto, um número crescente de pessoas procura ajuda especializada - e ela existe, embora seja desconhecida por muitos, a despeito dos esforços de divulgação. É o caso do Centro de Estudos de Dependência da Internet, localizado em São Paulo.

Criado há quatro anos e meio, pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, o centro atendeu a mais de 200 casos de uso desregrado da internet durante seus primeiros três primeiros anos e meio. Nos últimos 12 meses, o número saltou mais de 50%, uma aceleração que reflete a disseminação crescente do acesso à web entre a população brasileira.

Segundo Abreu, que é coordenador do centro, o número de pedidos de ajuda costuma saltar toda vez que o trabalho tem algum tipo de exposição na mídia. No dia seguinte a uma entrevista para o Jornal Nacional, da Rede Globo, o especialista recebeu cerca de 150 mensagens. Isso sem que tivesse sido divulgado seu e-mail.

O problema, diz o psicólogo, é que em muitos casos a pessoa interessada marca a consulta, mas não comparece. "As pessoas não se dão conta de que isso pode se constituir um problema", diz Abreu. A paciente dos morangos, por exemplo, estava sendo fora do centro, por problemas que aparentemente não tinham nada a ver com a internet.

De acordo com Abreu, são recebidos em média de quatro a cinco pedidos de ajuda semanalmente. Não por acaso, o meio mais utilizado pelos interessados é o e-mail.

Com o crescimento do número de domicílios brasileiros com acesso à internet - que avançou para 27% do total de residências em 2010, segundo o Comitê Gestor da Internet (CGI) - tem aumentado também um tipo mais específico vício: o de quem não consegue se desgrudar das redes sociais, como Facebook e Orkut. De acordo com Abreu, o uso excessivo desses sites já está no grupo dos principais problemas apresentados pelos pacientes atendidos.

A rapidez na comunicação proporcionada pelas redes sociais, e a possibilidade de conversar com pessoas que estão fora do convívio mais próximo são consideradas virtudes das redes sociais, mas têm seu lado obscuro. "As pessoas estão deslumbradas com a perspectiva de contato trazida por esses meios", diz Abreu, e não conseguem equilibrar essa novidade com uma interação social mais direta.

A "avalanche" de informações provocada pela web é vista como outra vilã dos transtornos psicológicos. "Temos a falsa ideia de que quanto mais informação temos, melhor é. Mas o cérebro não funciona assim", afirma Abreu.


Fonte: Bruna Cortez Valor Econômico-18/07/2011