InCor transplanta 1º pulmão recuperado

13/03/2012 09:46
Mateus de Moura, 31, com sua mãe Ana Ribeiro de Moura, 55, recupera-se de transplante na UTI do incor, em SP.
 
O InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo) realizou no último dia 2 o primeiro transplante do país usando um pulmão recondicionado.
 
O órgão, que não tinha qualidade para ser transplantado, foi "recuperado" com a ajuda de um processo criado na Suécia. O receptor foi o mineiro Mateus de Moura, 31, que tinha uma doença pulmonar rara e não conseguia mais respirar sozinho.
 
O objetivo do recondicionamento, segundo o cirurgião Fábio Jatene, coordenador do Programa de Transplante de Pulmão do InCor, é aumentar o número de transplantes ao reduzir a proporção de órgãos doados que são rejeitados. Só entre 5% e 10% dos pulmões de doadores de múltiplos órgãos são usados.
 
No Brasil, em 2011, segundo dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, foram realizados 49 transplantes de pulmão, frente a 160 de coração e 1.492 de fígado, por exemplo.
 
A sobrevida após o transplante com pulmão recondicionado no mundo é semelhante à da cirurgia comum: 80% um ano após a cirurgia.
 
Jatene diz que o tratamento para preservar os outros órgãos, em especial a injeção de soro no corpo do doador, piora a qualidade dos pulmões, porque os deixa cheios de líquido. Isso atrapalha a oxigenação do sangue, reduzindo a função pulmonar.
 
"Temos a expectativa de até dobrar o aproveitamento dos órgãos", diz o cirurgião. A técnica, no entanto, não recupera órgãos que tenham sofrido lesões como perfuração ou infecções.
 
Antes do primeiro transplante, a equipe do InCor fez testes com 30 pulmões doados e que não teriam condições de uso sem a técnica. "Essa foi uma exigência da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Por um lado, demoramos mais para começar a usar o tratamento. Por outro, já temos experiência acumulada de três anos."
 
OSMOSE
 
Depois de ser retirado do corpo do doador, o órgão é colocado em um líquido para ser resfriado a uma temperatura bem baixa, perto de zero grau Celsius. Ao chegar à sala de recondicionamento, o pulmão volta à temperatura ambiente e fica em uma espécie de bacia, ligado a tubos.
 
Um deles irriga o pulmão com uma solução especial que tem a propriedade de "atrair" a água que está atrapalhando os alvéolos para dentro dos vasos sanguíneos. Ao ser bombeada e circular pelo órgão, a solução vai limpando os pulmões e recuperando suas capacidades.
 
O pulmão também fica ligado a um ventilador mecânico, como os usados em UTIs, para receber oxigênio e "respirar" mais ou menos como se estivesse funcionando dentro de um corpo.
 
No caso do transplante feito agora, o órgão ficou cinco horas na máquina antes de ser transferido para Mateus de Moura, o paciente.
 
Sua mãe, Ana Ribeiro de Moura, 55, de Itajubá (MG), conta que o filho estava na fila do transplante havia dois anos. Mateus e a família foram consultados pelos médicos sobre a possibilidade de o transplante ser feito com um órgão recondicionado. "Deixamos o Mateus decidir e ele disse que queria."
 
Jatene afirma que quase todos os pacientes consultados até agora também aceitaram.
 
"Temos 85 pacientes na fila aqui no InCor e fazemos de 30 a 35 transplantes de pulmão por ano, com média de dois anos ou dois anos e meio de espera. Se dobrarmos o número de transplantes, reduziremos a espera para um ano", afirma ele. "É isso que estamos procurando."
 
 
 
Série 'house' abordou uso da técnica
 
Um episódio da atual temporada da série de TV "Dr. House" (Record e Universal) teve como tema a técnica para recuperar pulmões. O médico Gregory House e a residente Chi Park têm 12 horas para descobrir qual é o problema do órgão, ligado a uma máquina. O pulmão seria transplantado em uma paciente do médico James Wilson, melhor amigo de House. Ele, como sempre, descobre o que fazer.
 
 
 
Doença rara fez caminhoneiro deixar futebol
 
DA EDITORA-ASSISTENTE DE “SAÚDE”
O motorista de caminhão Mateus de Moura, 31, morava em Itajubá há três anos. Jogava futebol aos domingos e levava uma vida normal, conta sua mulher, Priscila Santos Moura, 29.
 
"Ele começou a sentir falta de ar. Um dia, ficou com os dedos e a boca roxos. Ele ficou 13 dias internado sem que descobrissem o que tinha."
 
Segundo Priscila, uma biópsia feita no pulmão de Mateus revelou uma hemangiomatose capilar pulmonar, doença rara em que há proliferação exagerada de capilares (pequenos vasos) no tecido de sustentação do pulmão.
 
A gravidade do caso levou os médicos a encaminharem Mateus ao InCor. A equipe de transplantes de pulmão passou a cuidar dele.
 
O casal e a filha deles, Ágata, hoje com 13 anos, mudaram-se então para Taubaté (SP), para ficar mais perto do InCor.
 
O apartamento alugado pela família foi cuidadosamente selecionado em um local perto da via Dutra e de um campinho de futebol, que serviria como espaço para o pouso de um helicóptero caso Mateus tivesse de ser resgatado às pressas.
 
Priscila conta que, no ano passado, o cirurgião Paulo Pego, coordenador do Projeto de Recondicionamento Pulmonar, fez uma reunião com os pacientes para apresentar a nova técnica. Mateus, então, topou entrar no programa.
 
Ele só soube que receberia o pulmão recuperado na véspera da cirurgia.
 
Fonte: Marisa Cauduro - Folha de S.Paulo - 12/03/2012