Cresce pressão para destruir vírus da varíola

15/03/2011 10:01

Cresce pressão para destruir vírus da varíola

"Sentimos que o mundo ficaria mais seguro sem a existência desses estoques.

Mais de três décadas após a erradicação da varíola, ressurgiu com nova intensidade uma disputa internacional sobre a oportunidade de destruir os únicos espécimes existentes do vírus que causou um dos piores flagelos que já assolaram a humanidade - responsável pela morte de pelo menos 300 milhões de pessoas apenas no século 20.


Autoridades em saúde pública, especialistas em doenças infecciosas e até experts em segurança nacional sustentam que chegou a hora de finalmente incinerar centenas de frascos do patógeno mantidos em dois laboratórios de alta segurança nos Estados Unidos e na Rússia.

"Sentimos que o mundo ficaria mais seguro sem a existência desses estoques. Por que correr o risco de os vírus escaparem e a doença ressurgir?", disse Lin Li Ching, um pesquisador da Third World Network, uma associação internacional de pesquisa e advocacia baseada na Malásia.

Mas os governos americano e russo, que postergaram por diversas vezes a incineração das amostras, estão batalhando por uma nova protelação na execução do vírus. Os cientistas precisam dos vírus vivos, eles dizem, para preparar vacinas melhores e terminar o desenvolvimento dos primeiros tratamentos para o caso de o micróbio mortal de alguma forma se desgarrar - por acidente, por ato de um bioterrorista ou por sua recriação a partir de registros computadorizados de suas sequências de DNA.

"Isso não é pesquisa pelo bem da pesquisa", disse Ali Kahn, diretor do Escritório de Prontidão e Resposta em Saúde Pública dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças em Atlanta, que guarda uma das coleções, contendo cerca de 450 cepas.

O debate culminará em maio, quando a Assembleia Mundial de Saúde, fórum que governa a Organização Mundial de Saúde (OMS) da ONU, votará sobre a condenação do vírus à extinção. A OMS não tem poder para impor a destruição dos estoques, mas Estados Unidos e Rússia se arriscam a uma condenação internacional se desafiarem o órgão mundial. "Não é uma história preto e branco. É preciso pesar várias coisas", disse Pierre Formenty, um cientista da OMS em Genebra.

Flagelo. A varíola é causada pelo vírus Orthopoxvírus variolae, um antigo patógeno que, na natureza, infecta apenas humanos. Os sintomas são febre alta, dor de cabeça e no corpo, pústulas na pele, vômitos e sangramento. Cerca de um terço dos doentes morre. Muitos sobreviventes ficam cegos ou marcados por cicatrizes. Não existe um tratamento aprovado para a doença.

"Durante séculos, repetidas epidemias varreram os continentes, dizimando populações e mudando o curso da História", segundo um histórico da OMS.

Com a rápida vacinação de todos em torno de cada vítima, a partir de 1966, uma campanha patrocinada pela OMS e chefiada por D. A. Henderson, da Universidade Johns Hopkins, finalmente reduziu o vírus a um único caso natural isolado, que ocorreu na Somália em 1977. Em 1980, a OMS declarou a varíola oficialmente erradicada.

Todos os laboratórios, exceto um nos Estados Unidos e um na Rússia, concordaram posteriormente em destruir qualquer amostra que tivessem, e, em 1990, a OMS estabeleceu o prazo até 1993 para os dois remanescentes fazerem o mesmo.

Mas os EUA recuaram em 1994, após revelações de que a antiga União Soviética havia trabalhado para desenvolver a varíola como uma arma biológica. Desde então, tanto os Estados Unidos como a Rússia têm postergado reiteradamente a eliminação, citando receios de que Iraque, Coreia do Norte e outros poderiam estar escondendo o vírus e o imperativo de realizar novas pesquisas.

Maioria indefesa. Em razão do programa bem-sucedido de erradicação, os programas de vacinação foram interrompidos em todo o mundo, deixando a maioria indefesa contra a doença. Os Estados Unidos sustaram as imunizações em 1972, de modo que qualquer pessoa nascida após 1967 está vulnerável.

Na esteira dos ataques da Al-Qaeda em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos estocaram vacina suficiente para inocular cada americano contra a varíola. Mas a vacina é imperfeita. Pacientes de aids, recebedores de transplantes e outros com sistemas imunológicos debilitados não podem usá-la com segurança. Duas novas drogas parecem ser eficazes, mas ainda não foram testadas o suficiente para receber o aval da Food and Drug Administration (FDA, a agência que controla remédios e alimentos nos EUA). Alguns cientistas acham que precisam do vírus vivo para desenvolver bons modelos animais para testá-las.


Fonte: O Estado de S.Paulo-13/03/2011