Do diabetes ao câncer
04/04/2012 09:29
Sintetizada pela primara ver na década de 1920, a metformina, medicamento próprio para diabéticos, tem potencial para tratar diversos tipos de câncer, de acordo com pesquisas divulgadas no fim de semana.
Uma substância usada no controle do diabetes 2 deve se transformar em uma nova arma na luta contra o câncer. A metformina, presente em medicamentos de diversas marcas e indicada para diminuir a quantidade de açúcar no sangue, se revelou um potente agente no combate a tumores malignos de próstata, fígado, pâncreas e pele melanoma. Estudos sobre a eficácia da droga foram apresentados no fim de semana pela Associação Americana para Pesquisa do Câncer (AACR, sigla em inglês).
O mecanismo de ação da metformina ainda não foi completamente desvendado, mas os cientistas sabem que a substância está implicada na glicose, no reconhecimento do açúcar no organismo e em sua conversão para energia. Em todas as pesquisas divulgadas pela AACR, o princípio ativo interagiu com moléculas relacionadas à síntese de gorduras, evitando o crescimento desordenado das células tumorais, a principal característica de todos os tipos de câncer.
"A metformina parece ter um importante papel, inclusive, na prevenção", afirma Geoffrey Girnun, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland. O cientista estuda os efeitos positivos da substância na proteção do fígado, algo que considera surpreendente, porque uma das reclamações dos pacientes diabéticos que tomam a droga é justamente o surgimento de desconfortos hepáticos. "Alguns poucos estudos epidemiológicos prévios indicavam uma relação entre a prevenção do câncer de fígado e a metmorfina, mas, devido aos efeitos colaterais, ela não vinha sendo testada em relação ao câncer hepático", revela.
Com base nesses estudos prévios, porém, Girnun insistiu em verificar o comportamento das células tumorais de fígado em contato com a metformina. Em laboratório, ele induziu ratos para que desenvolvessem câncer hepático. Os animais foram divididos em dois grupos: parte recebeu a substância e outra parte foi tratada sem a metformina. No primeiro caso, a atividade do tumor foi mínima, enquanto que, no segundo, houve um aumento significativo da divisão celular. Para verificar se havia também um efeito protetor, a equipe do cientista inibiu a síntese de lipídios no fígado, uma condição conhecida por promover o câncer.
"Pacientes com diabetes, obesos, doentes hepáticos ou outros que têm problemas de fígado não relacionados ao alcoolismo constituem o maior grupo de risco para o câncer hepático. E todas essas doenças estão associadas à síntese dos lipídios", justifica o biólogo molecular. "O resultado foi animador, com a metformina impedindo que esses animais desenvolvessem tumores. Se conseguirmos replicar, em humanos, os resultados obtidos, a substância poderia ser prescrita para pessoas que se encaixam nesse grupo de risco, como fornia de prevenção", conta.
Combinação
A metformina também surpreendeu o oncologista molecular Richard Marais, diretor do Instituto Paterson para Pesquisa do Câncer em Manchester, na Inglaterra. A substância foi testada para combater o melanoma, o mais grave e letal tumor que afeta a pele. A equipe do cientista combinou a metformina a outra substância, inibidora do fator de crescimento vascular endotelial, usada no tratamento convencional da doença. A equipe de Marais investigou células de pacientes humanos com melanoma, especialmente aquelas que têm uma das mais comuns mutações genéticas associadas a esse tipo de tumor, a Braf.
As células foram cultivadas in vitro até se transformarem em tumores. Os cientistas, então, verificaram que o efeito da metformina no combate ao câncer desencadeado pela mutação Braf não foi significativo. "Essa mutação ativa uma proteína chamada RSK, que promove resistência à metformina", conta Marais. Para testar se o mesmo ocorreria no organismo, os pesquisadores desenvolveram linhagens de ratos com câncer de pele melanoma associados à variante genética. "Para nossa surpresa, dentro do corpo, o que a substância faz é secretar os níveis de VEGF-A, uma molécula que promove a formação de vasos sanguíneos, aumentando o tumor. Por isso, imaginamos que, associada a um inibidor da VEGF-A, a metformina poderia ter um efeito ainda melhor", conta. Combinada com uma molécula que faz exatamente isso, a metformina apresentou resultados animadores. A taxa de crescimento do tumor diminuiu 64%, comparando-se a animais que receberam apenas o inibidor da VEGF-A.
Em humanos
Donghui Li, do Centro de Câncer MD Anderson da Universidade do Texas, é outra cientista que não vê a hora de iniciar ensaios em humanos. Ela pesquisa os tumores de pâncreas, um dos menos investigados e mais severos. "Realizamos uma revisão de pesquisas já realizadas com pacientes diabéticos e portadores de câncer de pâncreas", conta. No total, foram analisados dados de 302 pessoas que tinham os dois problemas. Dessas, 117 tomavam medicamentos com metformina. Em um ano, 63,9% das que recebiam a substância estavam vivas, índice que caiu para 46,3% no outro caso. Passados 24 meses, 30,1% do grupo da metformina ainda viviam, contra 15,4%. "Os que foram prescritos com a substância tiveram uma redução de 32% 110 risco de morte", resume Li.
O uso de metformina em pacientes com câncer de próstata antes da cirurgia de remoção do órgão também ajudou a reduzir o metabolismo das células tumorais, retardando sua taxa de crescimento. A pesquisa, que está na fase II, realizada em humanos, foi conduzida pelo Hospital Princess Margaret de Toronto 110 Canadá. A equipe do oncologista Anthony M. Joshua avaliou 22 pacientes aos quais eram administrados, até 500mg de metformina três vezes ao dia. Segundo os pesquisadores, a metformina reduziu significativamente a glicemia de jejum, o fator de crescimento insulina-1, o índice de massa corporal e a relação cintura-quadril. Além disso, a substância reduziu a taxa de crescimento câncer de próstata.
Fonte: Correio Braziliense - 02/04/2012