A chave do esquecimento

01/08/2011 09:10

A chave do esquecimento

 

As redes de neurônios do córtex préfrontal mantêm-se ativas para guardar as informações “na mente” mesmo na falta de estímulos do ambiente.

Onde estão as chaves do carro? Cadê meus documentos? Por que as coisas nunca estão onde eu acho que deveriam? A ciência não pode responder essas perguntas, mas já pode explicar por que isso acontece e, talvez até, encontrar uma solução para o problema, como os testes da substância guanfacina que já começam a ser feitos em ambiente clínico. Em estudo publicado na edição desta semana da revista “Nature”, pesquisadores da Universidade de Yale, nos EUA, revelaram que as redes de neurônios de pessoas na meia idade e idosas provavelmente têm menos conexões e disparam com menos força do que as dos mais jovens, atrapalhando a memória.

À medida que as pessoas envelhecem, elas tendem a esquecer episódios com mais frequência, são mais facilmente distraídas e perturbadas em suas atividades por interferências externas e têm maior dificuldade com funções executivas. Embora esses déficits relacionados com a idade já fossem amplamente conhecidos, a base celular destas dificuldades cognitivas permanecia um mistério. No novo estudo, os pesquisadores de Yale examinaram pela primeira vez a alterações que ocorrem na atividade dos neurônios do córtex pré-frontal com o tempo. Esta região do cérebro é apontada como responsável pela cognição e processos decisórios.


Era da informação agrava impacto da deterioração


— Os déficits cognitivos relacionados à idade podem ter sérios impactos nas nossas vidas nesta era da informação, já que cada vez mais frequentemente as pessoas precisam usar funções cognitivas avançadas para satisfazer suas necessidades mais básicas, como pagar contas e ter acesso a cuidados médicos — diz Amy Arnsten, professora de Neurobiologia e Psicologia da Escola de Medicina de Yale e uma das autoras do estudo. — Essas habilidades também são fundamentais para a manutenção de carreiras cada vez mais demandantes e para conseguirmos viver com independência à medida que envelhecemos.

As redes de neurônios do córtex préfrontal mantêm-se ativas para guardar as informações “na mente” mesmo na falta de estímulos do ambiente. Este processo, conhecido como “memória de trabalho”, permite acessar as informações — como por exemplo onde deixamos as chaves do carro — mesmo quando elas precisam ser constantemente atualizadas. Esta habilidade é a base do pensamento abstrato e frequentemente é chamada de “bloco de notas mental”, sendo essencial ainda para a execução de tarefas múltiplas, organização e inibição de ações e pensamentos inapropriados.

Arnsten e sua equipe estudaram os disparos dos neurônios do córtex em macacos jovens, de meia idade e idosos enquanto eles eram submetidos a testes de memória. Os pesquisadores viram que os mais jovens conseguiam manter as redes mais ativas do que os mais velhos, mas quando os cientistas ajustaram o ambiente neuroquímico dos animais mais velhos para ficarem mais semelhante ao dos mais novos, a taxa de atividade de suas redes neuronais foi restaurada para os mesmos níveis da dos mais jovens.

Segundo Arnsten, o envelhecimento do córtex pré-frontal parece ser resultado do acúmulo de uma molécula batizada cAMP, que abre canais de íons entre os neurônios e enfraquece a constância de sua atividade.
Compostos que inibem a ação da cAMP ou bloqueiam estes canais de íons sensíveis à molécula conseguiram restaurar a capacidade de disparo das redes dos animais mais velhos. Um destes compostos é a guanfacina, medicamento já aprovado para controle da hipertensão em adultos e déficits no córtex pré-frontal de crianças, o que sugere que também pode ser útil para os idosos.

Diante dos resultados do estudo, a pesquisadora já está levando sua descoberta para o ambiente clínico: a Universidade de Yale começou a selecionar indivíduos para avaliar a ação da guanfacina na melhoria da memória de trabalho e capacidade de decisão de idosos que não sofram do mal de Alzheimer e outros tipos de demência.


Fonte: Cesar Baima O Globo-28/07/2011