A chave do esquecimento
A chave do esquecimento
As  redes de neurônios do córtex préfrontal mantêm-se ativas para guardar  as informações “na mente” mesmo na falta de estímulos do ambiente.
Onde  estão as chaves do carro? Cadê meus documentos? Por que as coisas nunca  estão onde eu acho que deveriam? A ciência não pode responder essas  perguntas, mas já pode explicar por que isso acontece e, talvez até,  encontrar uma solução para o problema, como os testes da substância  guanfacina que já começam a ser feitos em ambiente clínico. Em estudo  publicado na edição desta semana da revista “Nature”, pesquisadores da  Universidade de Yale, nos EUA, revelaram que as redes de neurônios de  pessoas na meia idade e idosas provavelmente têm menos conexões e  disparam com menos força do que as dos mais jovens, atrapalhando a  memória.
À medida que as pessoas envelhecem, elas tendem a  esquecer episódios com mais frequência, são mais facilmente distraídas e  perturbadas em suas atividades por interferências externas e têm maior  dificuldade com funções executivas. Embora esses déficits relacionados  com a idade já fossem amplamente conhecidos, a base celular destas  dificuldades cognitivas permanecia um mistério. No novo estudo, os  pesquisadores de Yale examinaram pela primeira vez a alterações que  ocorrem na atividade dos neurônios do córtex pré-frontal com o tempo.  Esta região do cérebro é apontada como responsável pela cognição e  processos decisórios.
Era da informação agrava impacto da deterioração 
—  Os déficits cognitivos relacionados à idade podem ter sérios impactos  nas nossas vidas nesta era da informação, já que cada vez mais  frequentemente as pessoas precisam usar funções cognitivas avançadas  para satisfazer suas necessidades mais básicas, como pagar contas e ter  acesso a cuidados médicos — diz Amy Arnsten, professora de Neurobiologia  e Psicologia da Escola de Medicina de Yale e uma das autoras do estudo.  — Essas habilidades também são fundamentais para a manutenção de  carreiras cada vez mais demandantes e para conseguirmos viver com  independência à medida que envelhecemos.
As redes de neurônios do  córtex préfrontal mantêm-se ativas para guardar as informações “na  mente” mesmo na falta de estímulos do ambiente. Este processo, conhecido  como “memória de trabalho”, permite acessar as informações — como por  exemplo onde deixamos as chaves do carro — mesmo quando elas precisam  ser constantemente atualizadas. Esta habilidade é a base do pensamento  abstrato e frequentemente é chamada de “bloco de notas mental”, sendo  essencial ainda para a execução de tarefas múltiplas, organização e  inibição de ações e pensamentos inapropriados.
Arnsten e sua  equipe estudaram os disparos dos neurônios do córtex em macacos jovens,  de meia idade e idosos enquanto eles eram submetidos a testes de  memória. Os pesquisadores viram que os mais jovens conseguiam manter as  redes mais ativas do que os mais velhos, mas quando os cientistas  ajustaram o ambiente neuroquímico dos animais mais velhos para ficarem  mais semelhante ao dos mais novos, a taxa de atividade de suas redes  neuronais foi restaurada para os mesmos níveis da dos mais jovens.
Segundo  Arnsten, o envelhecimento do córtex pré-frontal parece ser resultado do  acúmulo de uma molécula batizada cAMP, que abre canais de íons entre os  neurônios e enfraquece a constância de sua atividade.
Compostos que  inibem a ação da cAMP ou bloqueiam estes canais de íons sensíveis à  molécula conseguiram restaurar a capacidade de disparo das redes dos  animais mais velhos. Um destes compostos é a guanfacina, medicamento já  aprovado para controle da hipertensão em adultos e déficits no córtex  pré-frontal de crianças, o que sugere que também pode ser útil para os  idosos.
Diante dos resultados do estudo, a pesquisadora já está  levando sua descoberta para o ambiente clínico: a Universidade de Yale  começou a selecionar indivíduos para avaliar a ação da guanfacina na  melhoria da memória de trabalho e capacidade de decisão de idosos que  não sofram do mal de Alzheimer e outros tipos de demência. 
Fonte: Cesar Baima O Globo-28/07/2011
